sexta-feira, 16 de maio de 2014

«manhã submersa»

Ainda estremunhado, dirijo-me para o quarto de banho. A noite foi de naves espaciais, seres de um outro mundo, amigos próximos e amigos distantes, enfim, toda ela um cansaço. Por onde terá o meu espírito andado?
Visto-me mecanicamente, é assim há algum tempo. Uma camisa e umas calças de ganga e pronto para sair. Esqueço-me do pequeno almoço, comerei  mais tarde. Gosto de sentir a sensação de estômago vazio, fome, buraco negro no corpo cada vez mais magro.
Sento-me nas cadeiras da esplanada do café do bairro. Sempre as mesmas caras. Olho para o lado, e vejo uma mãe de volta do telemóvel. Obcecada percorre com os dedos o visor do aparelho, desligada do que se passa à sua volta, mas ligada ao mundo pelas ondas invisíveis. Na cadeira ao lado, está, presumo, o filho. Calado e olhar fixo numa torrada que vai trincando. De vez em quando olha para a mãe, mas a mãe está concentrada no telemóvel. Ambos, silenciosos, são habituais por estas paragens. E o cenário é sempre o mesmo. Dois seres tão próximos e tão distantes. 
Bebo o café e acendo um cigarro e, de súbito, sinto-me livre por ter o telemóvel para reparação e não estar agarrado a ele como uma lapa na rocha. 

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