sábado, 24 de maio de 2014

a casa

Olho pela janela. As luzes cintilam como olhos que piscam. Olhos que, demasiado tempo no escuro, perderam a habilidade de se manterem focados no que vêem. O caso é que nada vêem no escuro e, então, quando colocados perante a liberdade de luz, receio bem, terem perdido a capacidade de a aguentar. Então piscam e fecham-se, se bem que temporariamente. Olho pela janela. Lembro-me do Joaquim – o esquizofrénico do bairro. Não sei bem porque me chegou esta ideia. A ideia dele. Esqueço-o. Não é aqui que me quero centrar. 
Mas os olhos piscam-me na escuridão da casa. A casa sossegada e eu lá permaneço. Derrotado e caído. À procura de reagir, à procura de uma forma de não cair, mesmo já tendo caído. Inevitável é a capacidade de nos negarmos. Deito-me no sofá – ali – onde estou, só e perdido; por entre ruídos de carros que nunca terminam, a névoa da noite embrenhada de gases tóxicos e fedorentos. Se me cheirasse bem  – que faria? Um perfume, talvez. Mas não. Foi assim que fora decidido desde do dia em que, por via da necessidade aterrei aqui qual dissidente desesperado sabe-se lá pelo quê. Amor não o era, pelo menos – asseguro. Foi assim decidido. 
Tudo o que fiz foi nesse sentido. Sem saber, em todas as devidas alturas, fui seguindo à risca as indicações para não me falhar à tarefa. Fi-lo na perfeição. Nunca errei. Estou aqui nos erros de não ter errado, depois de ter percorrido cada metro, cada quilómetro – sem enganos. Há uma passagem na bíblia, e da qual gosto muito, que diz qualquer coisa como 

«os olhos são a lâmpada do corpo. Portanto, se teus olhos forem bons, teu corpo será pleno de luz. Porém, se teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em absoluta escuridão. Por isso, se a luz que está em ti são trevas, quão tremendas são essas trevas»

 - Mateus; era bem de se ver uma passagem que nos aconselhasse a via das escolhas rectas e íntegras, senão todas elas, nos erros dos erros…

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