segunda-feira, 31 de agosto de 2015

ninfomaníaca

por Fernando K. Montenegro

A mulher suave tem a volúpia a correr-lhe no corpo.
Foi o que ele pressentiu.
Desejo de beber, devorar e abocanhar. Não pensou muito nisto.
Mas as sombras iludem. 1000 Newtons de pressão mandibular.
Quando ela comprimiu com as pernas o corpo dele contra o seu não lhe admitindo uma eventual fuga – ele – totalmente acabado.
Exigiu que lho metesse – mete-mo todo, seu garanhão cabrão.
Primeiro suspira, depois geme, depois implora e a seguir – com o olhar de extermínio ordena: fode-me o corpo, a alma, o juízo, a sanidade e o que vier por acréscimo.
»A sanidade?«
Quero-a fodida à canzana. Aperta-me – sussurra-lhe – aperta-me as mamas, esquarteja-me os mamilos e rasga-me a cona toda.
Ele mete-lhe o caralho sem demoras e com uma das mãos torce-lhe uma das tetas gigantes.
Ela trinca o lábio inferior e um risco de sangue assome-se-lhe na boca borrada do batom rosa.
Depois tira-lho de dentro. Ela grita – NINFOMANÍACA!
Ele mergulha-lhe a língua na cona piscina e catarata. E depois o abecedário na ponta da língua colada ao clítoris, enquanto dois dedos lhe tacteiam a parede anterior.
Ela grita – DÁ-ME MAIS!
E ele, de língua no clítoris, dedos no ventre interno, estimula-lhe o ânus com o anelar. E pressiona-o um pouco.
Depois, desce e lambe-lhe o cu, a ponta da língua afiada no rego, nas nádegas onde a luz nunca chega.
E ela grita – FODE-ME TODA GRANDE CABRÃO!
E a boca dele alterna entre o frenético desesperado que luta pela vida e na câmara lenta de quem já tem a boca adormecida.
E ela grita – LAMBE-ME AS TROMPAS!
Enfia-lhe os dedos na boca – cala-te, minha puta – e enfia-lhe o caralho na cona, depois, tira-o e mete-lho no cu, e volta a meter-lho na cona. O caralho como broca ou pedaço de cetim. As mamas balão comprimidas por oitenta quilos. Ela morde-lhe os dedos e ele tira a mão e esfrega-lha com força na cara.
Ela grita – NINFOMANíACA!
Ele diz – vou-me vir.
Ela grita – JÁ!? - METE-ME TUDO À GARGANTA!
»o nome de deus invocado em vão num uníssono estúpido e artificial«
»gritos«
Ela engole e grita – NINFOMANÍACA!
Ele desmaia-lhe no pescoço. Ela afaga-lhe os cabelos – estás longe de me foder a sanidade, querido.
Da boca dele um – não gosto de foder à canzana – entrecortado no catarro de cachimbo.
- É que só essa imagem faz-me vir em dez segundos.


Ela grita – NINFOMANÍACA, DÁ-ME MAIS!

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

benfica

Fui almoçar a casa da minha mana. Biológica, que a de coração e osso, também, está em Paredes de Coura a divertir-se à grande. A TV estava no noticiário. Morte de uma mulher em Benfica. Parei logo de comer. Uma parte de mim é de Benfica; vivi lá um ano, apenas, mas foi intenso, destruidor e portanto, enriquecedor. A vítima trabalhava, segundo percebi, numa «casa de meninas» nuns prédios atrás de onde estava a ser o directo. O termo foi aplicado pela repórter. Reconheci a zona. Lembrei-me da «casa de meninas» cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado-mais-que-não-seja-por-respeito-à-falecida e que ficava num canto refundido de umas arcadas. Fui lá duas ou três vezes em noites de lua e tormento de espiral. Recordei-me da Tatiana, uma romena de 35 anos. Boa. Tesuda. Ainda que envolta de escuridão propositada do ambiente daquele estabelecimento. A primeira vez, disse-lhe que era médico e que a minha mulher era frígida. Que dormia em casa, com os anti-depressivos e psicóticos a percorrer-lhe o organismo. Que a tinha traído com a mãe dela. A Tatiana interessou-se muito pela história, e pela minha suposta carteira de médico - desconfiei. Disse-lhe que estava a aborratar de dívidas, contraídas em nome de uma moradia com piscina, solário e  sauna. Não me senti mal por mentir e ir para o inferno, há muito que tenho o meu lugar cativo nesse palco de fogo. Ela interrompeu-me e perguntou: quanto pagas para ir comigo ali para o privado? Sorri, dei um gole no Bushmills, amigo e companheiro de desgraça diurna e nocturna, e respondi – a questão aqui é ao contrário: quanto pagas tu a mim? Por que motivo haveria eu pagar para estar contigo, sendo este o meu trabalho – o de cobrar? Tatiana, minha querida, olha à tua volta, vês aqui algum homem abaixo dos sessentas sem barriga e ar de porco, sem ser eu? Tu tens um ego e uma lata do caraças. Não – respondi – tenho é dívidas para pagar. A Tatiana levantou-se e disse que eu era louco. Bebi o resto. Saí. A caminho de casa, passei pela zona onde assassinaram, actualmente, a companheira da Tatiana. No tasco da frente, o grupo de noctívagos do costume e que ficava depois daquilo fechar, já tinha dado andamento para outras bandas. Pena – pensei. Ainda ia outro malte. Fechei a porta bruscamente. Adormeci vestido. 
Voltei lá umas semanas depois. A miúda estava ao colo de um velho rebarbado qualquer. E eu, não menos que o cota, pensei: este sítio cheira a morte. Nunca mais lá voltei. Hoje, quatro anos depois, a compaixão que ainda julgo possuir, vai para essa mulher que perdeu a vida, triste ou feliz. Tenho a certeza de que não estou só no lamento dessa perda. RIP – Dominique.

velhice

Ontem, na praia, fui fazer uma corrida. Devo ter corrido uns três quilómetros - quando parei. O coração emergiu da sua caixa e foi-se estatelar ao comprido na minha boca, e também o iPod decidiu desbaterizar-se e dar por terminada a contribuição para o galopar do esforço na areia. Dei comigo na praia ao lado, numa de nudistas. Selvagem e semi-deserta. Homens e mulheres bronzeados sem qualquer marca de branco lixívia, a perpetuar uma peça de roupa de pele inexistente. Continuei a caminhar, e distraí o curioso, vulgo mirone, em mim com a vista do mar. Mais uns metros caminhei para Norte, contra o vento, quando decidi voltar. Nesse regresso, um senhor com idade, calculei, para ser meu avô, cruzou-se comigo como veio ao mundo. Inevitavelmente, olhei para todo ele como matéria viva. E por meros instantes, tive um vislumbre do meu futuro. Flácido, encarquilhado, engelhado, tormento, horror e desgraça, o que me espera - o futuro - ó mentes perversas. Se lá chegar, é claro.
Mais tarde, na esplanada, em conversa com uma amiga, falámos casualmente de como o tempo passa rápido e que daqui a dez anos, teremos 50 anos - meio século. Assustou-me, pontualmente, porque me revi na velocidade supersónica dos mesmos últimos que passaram e nos quais pouco ou nada fiz digno de ser registado. Parei a mente por breves segundos, fechei os olhos, senti o sol nas pernas, respirei profundamente, voltei a abrir os olhos e olhei para o horizonte. Uma gaivota rasgou o céu em voo picado. Um odor a protector solar atravessou clandestinamente a atmosfera. Uma empregada piscou-me o olho quando lhe pedi um cinzeiro. Na mesa ao lado, uma velhota com um chapéu lindíssimo de palha deu uma gargalhada sonora. E a bandeira estava amarela. Pensei: o tempo é aquilo que faço dele. Como uma espécie de moldar plasticina colorida. E estar em cada sessenta segundos de peito aberto, absorver cada preciso e precioso instante, o aqui e o agora, também será uma parte do muito proclamado «saber envelhecer bem». Quando olhar para mim, se lá chegar - repito-me -, aos oitenta ou ligeiramente menos, quero ver a minha história de vida na pele quebrada e rugosa do corpo vergado pela fúria amante da vida. E quero muito rir de mim próprio, todo nu num areal qualquer.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

razão

Em 1999 fui acampar com três amigos para Porto Covo. Eu tinha levado com os pés de uma namorada com quem estava junto há cinco anos. Ir dez dias para uma tenda beber copos para uma praia que, naquela altura, desconhecia, pareceu-me uma excelente ideia para asfixiar a imagem dela que, escusado será dizer, acordava e adormecia comigo. Gostava dela. Era aspirante a bailarina, andava no conservatório em Lisboa. Teria dado uma excelente companheira para a vida. Hoje está casada e tem filhos, portanto eu até tinha olho para a coisa. A questão é que se tivéssemos continuado, eu e ela, não teríamos aquilo que ela agora tem – uma família e estofos de carros vomitados (inveja). Adiante. Estava a fazer o meu jantar e liguei o rádio numa estação qualquer e ecoava na cozinha temperada, o Veloso justamente no verso «não se ama alguém que não ouve a mesma canção». Reportei-me logo para um bar desse tempo, 1999, onde um amigo meu refutava esta ideia, e eu, teimoso como o raio, com o peito inflamado dos 23, defendia aquela afirmação a pés juntos, escudos e sabres empunhados. Eu e ele tínhamos gostos musicais bastantes diferentes. Infantilmente, chateámo-nos nessa noite. Do Veloso para a música, para as gajas, para os amigos, para a família, para o futebol que eu detestava, para a música, para o sexo, para ofensas e ataques pessoais, para as cobranças e o caralho mais velho – pronto, foi Pearl Harbor a uma escala ´muito mais reduzida – é certo – mas com o instinto kamikaze todo lá. Deixei de o amar como verdadeiro amigo daqueles de verdade nessa noite, e zarpei de Porto Covo na manhã seguinte ainda irritado. Que puto estúpido, eu. Mais tarde, quando nos cruzávamos, acenava-lhe e perguntava-lhe o clássico: tudo bem? Continuava o caminho em passo acelerado, cagando-me para a resposta, como acontece sempre, aliás, quando se faz essa pergunta a alguém na rua. Nunca nos reaproximámos. Vi-o esta tarde. Levava uma t-shirt dos Linkin' Park. Disse para comigo: Kai, há 16 anos, no meio da infantilidade e estupidez, tinhas razão. Hoje estaria a lixar-me para ela – para a razão. As minhas crenças dispensam seguidores.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Hoje

Às vezes, o meu deus na forma em que o entendo e concebo, surge diante de mim prostrado; os joelhos esfolados, cortado, mutilado, e todo ele a esvair-se em sangue. De rastos, encolhido como um rato assustado, implora-me perdão.
««Pelas vezes em que te abandonei»»
Estendo-lhe a minha graça e «digo-lhe» sem emitir qualquer som: foram essas ausências que me fizeram acreditar cegamente em ti. 
Ele sorri brevemente hemoglobina e dentes. Entalha as palavras mudas e some-se. Nunca se despede. 
Raspo as postas de sangue coagulado do chão, enquanto rezo por ele a oração à minha lei de capela.
Imagino que querer deixar de ser deus de algo, deva ser apetecível e que a impotência perante a irreversibilidade dessa condição, seja dura de suportar. Talvez não possas tudo.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

adamastor

Fuzila-me já. Estou de mãos e pés atados, que se foda a vida. Poupa-me o caralho da venda, quero olhar-te na tua cara cerzida.
Imagino que seria suposto lamentar os teus lençóis molhados, as dores da incauta que és, e as tantas vezes nas quais te avisei que seria a tua desgraça e queda. 
Imagino que sim, que devo agradecer as vezes em que me limpaste o vómito do chão, e, também, agradecer as tuas massagens nas minhas pernas quando as mesmas pareciam amputadas pelas substâncias tóxicas que corriam no meu sistema linfático, alterando cornos e ossos; imagino ter que agradecer as inúmeras vezes em que me levaste comida a casa, e onde eu morria na minha cama adornada por flores fúnebres e murchas, e quando do fundo desse túmulo apenas te rosnava: foge de mim.
E de salvadora, passaste num ápice para uma espécie de Madame Potifar, cuja vontade orgásmica era ver-me acorrentado sem ver a luz do dia. Que era, naturalmente, onde eu já me encontrava. Para quê o teu esforço? Quereres chacina, sangue, merda e ejaculações que ardem por causa das infecções urinárias que fui apanhando à laia de uma lei de malte absorvido em exagero, não me parece que vá fazer diferença. 
Não me assustam os teus bruxedos de barraca pobre e decadente no meio da mata, potes de mijo, beatas conspurcadas, pés de cabra, e outras maleitas cuidadosamente coleccionadas. É suposto que seja assim, cultivar o ódio para que possas perceber que, ao fazê-lo, estarás a beber o veneno à espera que eu morra. É sempre assim, querida. Ainda que conjurados, que se lixem os quebrantos. Há um estranho sol em mim. E um cabrão será sempre um cabrão. Não se desvia das balas, entalha-as para si, e alimenta-se da pólvora.
Se te serve de consolo, pensei exactamente dois minutos e trinta e oito segundos em ti e nos teus dilemas. Depois, cansei-me. 
Hás-de ter o teu tempo para perceber que o muro onde me queres encostar e estilhaçar o meu pequeno e limitado cérebro, será aquele onde te poderás encostar comigo e falar-me dos teus projectos. Mas salva-me daquela horrível criancinha que vive em ti e que esperneia a debitar constantemente «foda-se isto e foda-se aquilo». Quando chegar esse dia, deixarei de pensar em ti como um mero vulto que enverga um manto invisível qualquer, porque um cabrão é muito maior que a tua estima pela sua desgraça. E, no fundo, depois do lodo e da tragédia, depois da visão perfeita do lugar de onde veio e que ocupou, também é agraciado – contra a sua vontade, é óbvio – com a bondade e o perdão.

Julho 2014