quarta-feira, 15 de julho de 2015

manhãs submersas

A manhã estanque, apesar do vento, e a melopeia que gasta árvores; o céu, aqui e ali, diáfano, que o eclipse é coisa dentro de ti; pendurado por um fio invisível - fados de merda, digo para mim. Ao longe, um cão uiva a sua dor. Todos a temos. Cada um tem a sua caixa de mazelas sempre à mão; uma colecção bizarra de tudo e de nadas que, de vez em quando, se amotina sem convite - foda-se - só porque sim. Olho para o alcatrão escuro, a estrada sinuosa e sei, claramente, que no fim da mesma está um coitado sem morada. Ao relento o tempo demora-se mais. Conheço-o há anos. E a solidão cravada no rosto dele, sempre que me cruzo com ele, traz-me à memória o suplício das cartas que escrevi e que nunca cheguei a selar, talvez, porque um dia me tivesse dito: se eu soubesse escrever, enviaria cartas de amor a toda a gente que passou pela minha vida. 

Sorri, porque nada lhe tinha para dizer em troca. O silêncio fica quase sempre bem. Por ser, entre muitas coisas, escudo poderoso.

De vez em quando, um gato de rua ronda a minha porta. Vejo-o a purgar-se no canteiro da minha vizinha ali do prédio da frente, a mesma que há-de vir despejar o lixo por volta das onze e qualquer coisa, porque faz o turno da noite no hospital e ainda dorme. Fumo um cigarro, enquanto a manhã continua estanque, e no meio de tudo o que se evapora no ar mas que não se desvanece na cabeça, teimo em obcecar pelas coisas que te escrevo mas que não tenho coragem de enviar - farei delas um enxoval de fracassos. 

Assim, fardo pesado, é o remorso que carrego. Deveria ir à farmácia e aviar aquela receita de Lítio, que guardei na gaveta das contas por pagar. Mas opto por tentar esquecer. Afinal, é tudo a termo perdido e - suspiro - que se foda à aprovação dos outros.

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