segunda-feira, 20 de julho de 2015

descolagem

Se ao menos eu soubesse que este sangue, este meu sangue que carreguei até aqui e que agora se derrama, não me roubaria as minhas histórias – se ao menos eu soubesse -, poderia tentar por uma só vez que fosse ser alguém. Talvez pudesse aspirar à minha eternidade. Serenamente - penso. Levam-me, em rasto lento e cadente, os dias e tudo o que agora de mim se escoa. Mas poderia não ser tão lenta esta morte que me urde?
Que o que se rasga num determinado momento, jamais se volta a unir. Apenas fica. Desfeito – mastigo – para ser esquecido. E continuo aqui; olho para o meu corpo, jogo de pescoço, pernas, braços, mãos e dedos que desfiaram com destreza, mas já não o reconheço de ser encarnado noutro tempo. Pequena rapariga de sonhos gigantes - caramelos que se saracoteavam delicadamente e envoltos num manto de saliva  apenas, e só, abrigo de boca desejosa de vida a conhecer. Neste tempo, este que não meço, cada dia desvela uma romaria dolorosa sem lei nem passo certo, e descobre tantos outros  ancorados, já sem nome ou forma, no pó de um canto recôndito qualquer que não sei saber visitar. E é assim que os sinto. Escorridos das entranhas. Noutro esgar, não mais sóbrio mas que me atrevo enquadrar, vem até mim a criança que esfolava os joelhos nas calçadas de pedras brancas e polidas, que um sol de Agosto lambia avidamente. Não me sinto já; não me concebo e, por este solene engano de mim, devo estar, como já o disse, a esvair-me. Que o que se rasga num determinado momento, jamais se volta a unir. Afligem-se os cheiros desses dias, dias roubados a uma morte de cristal frágil e silenciosa de sentidos. Estremeço. A minha menina – sussurrava a minha mãe. Mãe - aceno perpétuo deste meu Deus impressão de luz. Por aqui fico à espera. De um prolongamento. De uma corda que se estique. Fico. À espera que numa hora súbita pendurada dos céus, se esgueire a ilusão de cor em ondas vítreas e que, pouco a pouco, na vontade de resgatar a vida, descubra se teriam sabor as lágrimas daqueles que me amavam quando se me chegou a hora de partir. Nunca morri. Apenas cresci. Mas não digam a ninguém porque é segredo e os segredos são como rios de sombras numa tela perdida de uma parede num lugar qualquer. E lá, lá ninguém mos rouba. Lá— são todos meus.

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