terça-feira, 11 de agosto de 2015

adamastor

Fuzila-me já. Estou de mãos e pés atados, que se foda a vida. Poupa-me o caralho da venda, quero olhar-te na tua cara cerzida.
Imagino que seria suposto lamentar os teus lençóis molhados, as dores da incauta que és, e as tantas vezes nas quais te avisei que seria a tua desgraça e queda. 
Imagino que sim, que devo agradecer as vezes em que me limpaste o vómito do chão, e, também, agradecer as tuas massagens nas minhas pernas quando as mesmas pareciam amputadas pelas substâncias tóxicas que corriam no meu sistema linfático, alterando cornos e ossos; imagino ter que agradecer as inúmeras vezes em que me levaste comida a casa, e onde eu morria na minha cama adornada por flores fúnebres e murchas, e quando do fundo desse túmulo apenas te rosnava: foge de mim.
E de salvadora, passaste num ápice para uma espécie de Madame Potifar, cuja vontade orgásmica era ver-me acorrentado sem ver a luz do dia. Que era, naturalmente, onde eu já me encontrava. Para quê o teu esforço? Quereres chacina, sangue, merda e ejaculações que ardem por causa das infecções urinárias que fui apanhando à laia de uma lei de malte absorvido em exagero, não me parece que vá fazer diferença. 
Não me assustam os teus bruxedos de barraca pobre e decadente no meio da mata, potes de mijo, beatas conspurcadas, pés de cabra, e outras maleitas cuidadosamente coleccionadas. É suposto que seja assim, cultivar o ódio para que possas perceber que, ao fazê-lo, estarás a beber o veneno à espera que eu morra. É sempre assim, querida. Ainda que conjurados, que se lixem os quebrantos. Há um estranho sol em mim. E um cabrão será sempre um cabrão. Não se desvia das balas, entalha-as para si, e alimenta-se da pólvora.
Se te serve de consolo, pensei exactamente dois minutos e trinta e oito segundos em ti e nos teus dilemas. Depois, cansei-me. 
Hás-de ter o teu tempo para perceber que o muro onde me queres encostar e estilhaçar o meu pequeno e limitado cérebro, será aquele onde te poderás encostar comigo e falar-me dos teus projectos. Mas salva-me daquela horrível criancinha que vive em ti e que esperneia a debitar constantemente «foda-se isto e foda-se aquilo». Quando chegar esse dia, deixarei de pensar em ti como um mero vulto que enverga um manto invisível qualquer, porque um cabrão é muito maior que a tua estima pela sua desgraça. E, no fundo, depois do lodo e da tragédia, depois da visão perfeita do lugar de onde veio e que ocupou, também é agraciado – contra a sua vontade, é óbvio – com a bondade e o perdão.

Julho 2014

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