Em 1999
fui acampar com três amigos para Porto Covo. Eu tinha levado com os
pés de uma namorada com quem estava junto há cinco anos. Ir dez
dias para uma tenda beber copos para uma praia que, naquela altura,
desconhecia, pareceu-me uma excelente ideia para asfixiar a imagem
dela que, escusado será dizer, acordava e adormecia comigo. Gostava
dela. Era aspirante a bailarina, andava no conservatório em Lisboa.
Teria dado uma excelente companheira para a vida. Hoje está casada e
tem filhos, portanto eu até tinha olho para a coisa. A questão é
que se tivéssemos continuado, eu e ela, não teríamos aquilo que
ela agora tem – uma família e estofos de carros vomitados
(inveja). Adiante. Estava a fazer o meu jantar e liguei o rádio numa
estação qualquer e ecoava na cozinha temperada, o Veloso justamente
no verso «não se ama alguém que não ouve a mesma canção».
Reportei-me logo para um bar desse tempo, 1999, onde um amigo meu
refutava esta ideia, e eu, teimoso como o raio, com o peito inflamado
dos 23, defendia aquela afirmação a pés juntos, escudos e sabres
empunhados. Eu e ele tínhamos gostos musicais bastantes diferentes.
Infantilmente, chateámo-nos nessa noite. Do Veloso para a música,
para as gajas, para os amigos, para a família, para o futebol que eu
detestava, para a música, para o sexo, para ofensas e ataques
pessoais, para as cobranças e o caralho mais velho – pronto, foi
Pearl Harbor a uma escala ´muito mais reduzida – é certo – mas
com o instinto kamikaze todo lá. Deixei de o amar como verdadeiro
amigo daqueles de verdade nessa noite, e zarpei de Porto Covo na
manhã seguinte ainda irritado. Que puto estúpido, eu. Mais tarde,
quando nos cruzávamos, acenava-lhe e perguntava-lhe o clássico:
tudo bem? Continuava o caminho em passo acelerado, cagando-me para a
resposta, como acontece sempre, aliás, quando se faz essa pergunta a
alguém na rua. Nunca nos reaproximámos. Vi-o esta tarde. Levava uma
t-shirt dos Linkin' Park. Disse para comigo: Kai, há 16 anos, no
meio da infantilidade e estupidez, tinhas razão. Hoje estaria a
lixar-me para ela – para a razão. As minhas crenças dispensam
seguidores.
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