sexta-feira, 21 de agosto de 2015

benfica

Fui almoçar a casa da minha mana. Biológica, que a de coração e osso, também, está em Paredes de Coura a divertir-se à grande. A TV estava no noticiário. Morte de uma mulher em Benfica. Parei logo de comer. Uma parte de mim é de Benfica; vivi lá um ano, apenas, mas foi intenso, destruidor e portanto, enriquecedor. A vítima trabalhava, segundo percebi, numa «casa de meninas» nuns prédios atrás de onde estava a ser o directo. O termo foi aplicado pela repórter. Reconheci a zona. Lembrei-me da «casa de meninas» cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado-mais-que-não-seja-por-respeito-à-falecida e que ficava num canto refundido de umas arcadas. Fui lá duas ou três vezes em noites de lua e tormento de espiral. Recordei-me da Tatiana, uma romena de 35 anos. Boa. Tesuda. Ainda que envolta de escuridão propositada do ambiente daquele estabelecimento. A primeira vez, disse-lhe que era médico e que a minha mulher era frígida. Que dormia em casa, com os anti-depressivos e psicóticos a percorrer-lhe o organismo. Que a tinha traído com a mãe dela. A Tatiana interessou-se muito pela história, e pela minha suposta carteira de médico - desconfiei. Disse-lhe que estava a aborratar de dívidas, contraídas em nome de uma moradia com piscina, solário e  sauna. Não me senti mal por mentir e ir para o inferno, há muito que tenho o meu lugar cativo nesse palco de fogo. Ela interrompeu-me e perguntou: quanto pagas para ir comigo ali para o privado? Sorri, dei um gole no Bushmills, amigo e companheiro de desgraça diurna e nocturna, e respondi – a questão aqui é ao contrário: quanto pagas tu a mim? Por que motivo haveria eu pagar para estar contigo, sendo este o meu trabalho – o de cobrar? Tatiana, minha querida, olha à tua volta, vês aqui algum homem abaixo dos sessentas sem barriga e ar de porco, sem ser eu? Tu tens um ego e uma lata do caraças. Não – respondi – tenho é dívidas para pagar. A Tatiana levantou-se e disse que eu era louco. Bebi o resto. Saí. A caminho de casa, passei pela zona onde assassinaram, actualmente, a companheira da Tatiana. No tasco da frente, o grupo de noctívagos do costume e que ficava depois daquilo fechar, já tinha dado andamento para outras bandas. Pena – pensei. Ainda ia outro malte. Fechei a porta bruscamente. Adormeci vestido. 
Voltei lá umas semanas depois. A miúda estava ao colo de um velho rebarbado qualquer. E eu, não menos que o cota, pensei: este sítio cheira a morte. Nunca mais lá voltei. Hoje, quatro anos depois, a compaixão que ainda julgo possuir, vai para essa mulher que perdeu a vida, triste ou feliz. Tenho a certeza de que não estou só no lamento dessa perda. RIP – Dominique.

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