Meu Deus, de alguma forma, sinto-me
improvável. Porque gosto de me envolver e envolver-me é insuportavelmente
improvável. Sabes que é assim na maior parte das vezes - murmuro agora. Dias
houveram em que me perguntaram o que espero da vida. Não espero nada. Sou
demasiado orgulhoso para esperar o que quer que seja. Que correntes queres
quebrar? Nenhumas - respondi em ingenuidade. Digo-te que quero ser o último a
extinguir-me. Como o sol e, maravilhado pela imaginação, não posso deixar de
sorrir. Ele será o último. O último a extinguir-se, para lá de qualquer
constelação, para lá de qualquer suspiro, para lá de qualquer movimento, para
lá de qualquer natureza. Como aquele beijo que transcende sem transcender.
Sabor da promessa de ficar. Como único e singelo gesto de se realizar.
Deitas-te. Para o ar. Fechas os olhos e admiras o escuro. O escuro do teu
interior, das tuas pálpebras, no fundo - e, tu sabes -, o escuro da testemunha
que és. Se existe um ponto de retorno, o ponto onde a tua mente desagua -
garanto-te - esse ponto está aqui. Vincado e definido. Anseias em aproximar-te.
Tens medo do que possas sentir. Fundes-te com o sempre e com o sempre de
sempre. Esquecer. Esquecido. Lembrar. Lembrado. Não voltes a ti hoje. Abraças
uma árvore. A vertigem do alto de um grito confundido e da memória obsoleta.
Temes o perfilar dos segundos, os minutos, as horas, os segundos outra vez, as
horas outra vez, os dias todos de uma vez. Acelera-te o coração - não sabes parar.
E vem-te à cabeça – sim, certo - as escolhas. As tuas tardes de quarta-feira,
de segunda-feira, de sexta-feira, as tardes que forem. Dias da semana em que
escapavas e te escondias com uma pungente palavra por revelar. Uma palavra por
dizer. Algo que não saía. Uma palavra que se podia imolar no limiar dos
sentidos e que desperta em ti a eterna lembrança. Estás aqui. Não acreditas que
estejas, e não acreditas no que vês, mas estás. Se ao menos eu pudesses
acordar. Mas, meu Deus - quem quer que sejas, carne e osso, ar e sal, meu Deus,
eu devo ser improvável. E, no limiar deste caleidoscópio de sangue e tecidos,
esqueço sentidos e perco-me. Não demoro muito, saber-me partido. É sempre
assim.
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